Em um dia como este, 31
de maio, no ano de 1810, nascia em São Luís do Maranhão, Antônio Feliciano Falcão, filho do brigadeiro Manuel Antônio Falcão
que em virtude do posto e dos encargos que possuía no Exército Português,
residia com a família no Quartel do Campo do Ourique (5º Batalhão de
Infantaria, construído no período colonial entre os anos de 1793 a 1797), na
região da cidade onde atualmente se encontra compreendida a área desde o início
da Praça do Panteon, na Rua Rio Branco (antiga Rua dos Remédios) até o fim das
Avenidas Gomes de Castro e Silva Maia, abrangendo os espaços ocupados pelo
Colégio Liceu Maranhense, SESC, a Biblioteca Benedito Leite e parte da Praça
Deodoro (outrora Praça da Independência), segundo o professor Euges Lima do
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão.
Desde o seu nascituro,
em razão das preocupações de seu pai com a segurança das duas vidas, sua e de
sua genitora, a senhora Maria do Carmo Monteiro que manifestara os sintomas de
que estava prestes a hora do parto, sem que a parteira se apresentasse,
dirigiu-se a um grupo de soldados que lhe acercavam a porta da residência e
perguntou-lhes se algum destes se atrevia a receber a criança, voluntariando-se,
um destes, latagão reforçado e corpulento que mais tarde, soube tratar-se de
Antônio, barqueiro, conhecido que vangloriou-se de receber em seus braços, um
verdadeiro herói.
São nas palavras do Dr.
Antônio Henriques Leal, autor da obra Pantheon Maranhense – Ensaios
Biographicos, publicado pela Imprensa Nacional de Lisboa em 1874, a descrição
dos motivos ensejadores que rodeavam Falcão para seguir a carreira militar:”..estava, pois predestinado a seguir as
armas, a que o attrahiam os mui poderosos incentivos que o rodeavam: a família,
cujo chefe era militar; o lugar onde folgava – destinado para os exercícios das
tropas; seus brincos – as balas e os canhões; a musica que o despertava e o
acalentava – os toques das cornetas e dos clarins, o rufar dos tambores, o
estrondo da artilheria, e os gritos das sentinelas: o ambiente, por fim, que
muitas vezes respirava n’essa atmosfera impregnada de fumo da pólvora.”
Aos três anos já havia
sentado praça e sido reconhecido como Cadete (26 de outubro de 1813), aos 10
anos promovido a Alferes (04 de julho de 1820), aos 13 anos a Tenente (12 de
outubro de 1823) e aos 15 anos ao posto de Capitão (03 de maio de 1825).
A época era delicada e
vidrosa porque os espíritos estavam inquietos e abalados de comoções,
contestações, dissenssões e ódios fermentados quando lhe foi confiado o comando
da guarnição de Caxias, cuja posse ocorreu a 19 de março de 1828, conseguindo
num prazo de um ano reestabelecer em todo o Distrito, perfeita tranquilidade,
segurança individual e da propriedade, e a confiança dos povos nas
instituições.
O culto do dever, o
espírito reto e imparcial que se manifestara desde os mais verdes anos,
desenvolveu-se e fortaleceu-se no dia-a-dia, nobilitando-o, conservando-se
puros e inquebrantáveis. A boa fama, a estima e saudades de todos os caxienses,
fez com que o governo lhe entregasse o comando do 11º Corpo de Artilharia de
Posição que embora não fosse à sua arma, foi lhe confiado porque necessitava de
que o disciplinasse e o adestrasse nos exercícios militares, cuja comissão
exerceu de 19 de setembro de 1829 a 17 de maio de 1831, quando entrou para o
15º Batalhão de Caçadores.
Poucos meses depois
ocorrendo um motim entre as tropas aquarteladas no Campo do Ourique, onde o
Capitão Falcão, notando a frouxidão do Comandante das Forças, apresentou-se no
conflito voluntariamente com seu piquete, primeiro de que qualquer outro,
declarando-se a favor das autoridades constituídas, impedindo com o risco da
própria vida que as tropas aquarteladas cedessem aos apelos dos amotinados, o
qual foram vencidos.
Posteriormente, foi
criado em São Luís, capital da Província, a Companhia de Guardas Municipais
Permanentes, onde assentaram praça muitos filhos das principais famílias, cuja
tropa lhe foi conferido o comando desde 22 de janeiro de 1832 até 21 de junho
de 1836, cujo interregno de tempo gozava de boa reputação, exemplar organização
e instrução.
Com as crescentes
necessidades da Província de um corpo mais desenvolvido e que tivesse a seu
cargo todo o policiamento, em face dos graves problemas de segurança pública
que ocorriam com a fuga de escravos das fazendas que se embrenhavam nas matas,
organizando-se em hostes agressivas (quilombos) causando enormes prejuízos à
lavoura, semeadura do terror entre as populações do interior da Província e que
se juntavam a índios bravios, fez com que os deputados provinciais Antonio José
Quim, José Joaquim Rodrigues Lopes e Manoel Gomes da Silva Belfort, na
legislatura de 1836, subescrevessem um Projeto de Lei, criando no Maranhão, um
Corpo de Polícia, sob o comando de um major, com um efetivo de 644 praças,
divididas em quatro companhias.
Discutido amplamente o
projeto foi convertido na Lei Provincial nº 21 de 17 de junho de 1836,
sancionada pelo presidente Antonio Pedro da Costa Ferreira (depois Barão de
Pindaré) que desta forma criou o CORPO DE POLÍCIA DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO com
jurisdição provincial e que é a gênese da atual POLÍCIA MILITAR DO MARANHÃO.
(VIEIRA FILHO, 1975)
Feliciano Falcão foi
nomeado por Portaria de 23 de junho de 1836 e comandou a força policial até 30
de novembro de 1841. Em sua biografia, consta: ”... a força provincial podia servir de modelo em todos os sentidos, e
nem invejava ao melhor corpo de linha. Era uma garantia e segurança para todos,
um auxiliar poderoso no descobrimento de criminosos, na execução das ordens do
governo, na manutenção da tranquilidade pública. Todas as horas d’este brioso
militar, todas as suas vigílias, cuidados e cogitações empregava-os nos
negócios d’esse Batalhão, que creára, organisára e instruíra. Sem embargo de
ser seu filho mimoso, nem por isso o tractava com mais indulgencia e vigiava
menos para que não descahisse um apice sequer. Tudo passava por suas vistas e
mãos, e de tudo cuidava – do rancho, do fardamento, do soldado na moléstia:
attendia às queixas d’elles e ás dos particulares, e ai do que incurria no seu
desagrado por quebra de disciplina, por abusos ou por frouxidão; que não havia
dobrar o justiceiro comandante para que aliviasse o delinquente do castigo que
lhe marcava! Quem não viu ou não soube que Falcão, nas noites escuras e
tempestuosas, por baixo de chuva e descalço, a fim de que não o pressentissem,
rondava as ruas da cidade para observar se as sentinelas estavam a postos e as
rondas nas suas diligencias? Dahi também ganhou esse Corpo tamanha confiança e
fama que ninguém se atrevia a afrontar
as leis em presença de um soldado de policia, e era bastante um ou dous para
que qualquer ajuntamento de povo se contivesse nos limites da ordem ou se
dispersasse quando lhe era isso intimado. Que distancia immensa não vae do Corpo de Policia comandado por Falcão
do que foi ele depois? Que de transformações se têem operado n’elle de então
para cá!...
As subelevações e
revoltas foram frequentes
no tempo da Regência (entre 1831 a 1840) e a Balaiada (revolta popular ocorrida
no Maranhão entre 1838-1841), fez com que paralelamente
ao comando do Corpo de Polícia da Província, Feliciano Antonio Falcão fosse
nomeado a 13 de março de 1839, comandante das operações pelo presidente da
Província, Manuel Felizardo de Souza e Mello. Neste levante em um ataque nas
Areias, a duas léguas da Vila do Munim, um covarde oficial incumbido de
flanquear os rebeldes e ataca-los pela retaguarda deixou de cumprir suas ordens
fazendo com que quase mil homens fossem mortos e feridos, por outro lado,
fugiu-lhe ao devido apoio o Comandante da Brigada, Coronel Sergio, a cujas
ordens obedecia e quem deveria mandar tropas em auxílio da guarda avançada,
pois do lugar em que se encontrava, estava com o grosso do exército e de lá era
ouvido o som da mosqueteria e das cornetas; apesar de tudo isso Falcão não
recuou, ao contrário avançou e depois ao receber reforços do então Alferes
Antonio de Sampaio (morto, brigadeiro na campanha do Paraguai) recebeu o
batismo de sangue, cobrindo-se de louros e feridas, recebidas com denodo, calma
e desprezo da vida. Posteriormente o escritor dr. Domingos J. G. de Magalhães
(barão de Araguaya) que servia de secretário do general (Duque de Caxias),
demonstrou em Memória Histórica da Revolução do Maranhão com argumentos e
provas irrecusáveis, a inocência de Falcão, vigando a sua memória.
Posto a margem, por
intrigas, foi designado para uma secretaria de guerra, mesmo assim a 9 de
outubro de 1839 foi promovido a major. A 07 de março de 1840, o coronel Luiz
Alves de Lima e Silva, Comandante das Armas do Maranhão, que não se deixava
iludir por insinuações, descobrindo as boas qualidades de Falcão, o tirou do
ostracismo, dispensou-o da comissão administrativa e o nomeou a 19 do mesmo mês
de março, para tomar conta do acampamento de Vargem Grande, infestado de
rebeldes, com 500 praças sob seu comando e a 13 de agosto já estava no comando
da terceira coluna em operações quando foi condecorado com o oficialato da
Imperial Ordem de Rosa pelos serviços prestados à pacificação da Província.
Retornando a capital, a
15 de março de 1841 foi nomeado Prefeito de Polícia e a 18 de julho foi
promovido a tenente coronel (cuja efetividade foi confirmada em 07 de setembro
de 1842), onde a 20 de novembro conseguiu ser exonerado depois de muito instar
por isso.
De 16 de dezembro de
1841 até 31 de janeiro de 1843 foi-lhe confiado o comando do 7º Batalhão de
Caçadores e como tal passou novamente a comandar a guarnição de Caxias.
Foi designado para
comandar o 5º Batalhão de Fuzileiros, o qual reorganizou e elevou-o a um grau
elevado de disciplina, pois nas cidades, como nos campos de batalha, deixavam
bom nome, tornavam-se simpáticos às populações, ao mesmo tempo em que os
desordeiros e malfeitores os temiam, e os potentados e influências eleitorais
os respeitavam, porque eram de todos os conhecidos os brios do 5º e sabia-se
que seu comandante não transigia com as parcialidades políticas e nem
contravinha às ordens legais das autoridades constituídas.
O 5º Batalhão de
Fuzileiros foi transferido para a Província de Pernambuco em 1848 e ali Falcão
e seus comandados prestaram relevantes serviços, onde o governo imperial, o
premiou a 05 de maio de 1849, com a Imperial Ordem do Cruzeiro e de Comendador
da Roza, sendo a 18 de novembro do mesmo ano promovido ao posto de Coronel, por
distinção.
Em solo estrangeiro
contra Oribe e Rosas (episódio de uma longa disputa entre Argentina, Uruguai e
Brasil pela influência do Paraguai e hegemonia na região do Rio da Prata), o 5º
destacou-se na batalha de Monte-Caceros, integrado a segunda brigada da divisão
brasileira, sob o comando do bravo maranhense.
A 03 de março de 1852,
Falcão foi elevado ao posto de brigadeiro e a 14 de junho recebeu a dignatária
Imperial Ordem do Cruzeiro e as medalhas da campanha do Rio da Prata.
A 06 de dezembro de
1852 foi nomeado diretor do Arsenal de Guerra da Corte e a 17 do mesmo mês,
Membro do Conselho de Administração para Fornecimento do mesmo Arsenal, função
que exerceu por pouco tempo porque sua presença contrariava os especuladores e
seus protetores, a corrupção até então desenfreada ia de encontro a sua conduta
de incorruptível, probo e excessivamente zeloso de sua reputação. Mantendo a
performance consagrada, foi exonerado a 11 de abril de 1853 e nomeado
Comandante das Armas de Pernambuco a 11 de maio do mesmo ano.
Falcão caprichava em
suas obrigações, pontual em seus atos, pundonoroso, se melindrava ao menor
reparo ou advertência. Contrariando os planos políticos do presidente de
Pernambuco, recebeu em 19 de junho uma reprovação com muita aspereza, o que
veio a lhe causar uma congestão cerebral tão grave que dela veio a sucumbir.
Vítima de seus
princípios e caráter, expirou este bravo guerreiro, legando a pobreza suas
irmãs, a quem sempre servia de arrimo, modesto, solitário e pobre, serviu a
pátria com amor e exemplar dedicação. Vivia dos seus soldos, entretanto sua
bolsa estava sempre aberta para os necessitados. Conservou-se sempre solteiro,
por julgar-se na obrigação de manter o legado de seus pais, seus irmãos
necessitados e órfãos como ele.
Seus restos mortais
foram transportados à sua terra natal e em 16 de agosto de 1855, por iniciativa
do negociante João Pedro Ribeiro que mandou-lhe fazer um pomposo funeral na
igreja São João, onde presentes, ilustres maranhenses, foi recitada nénia
poética da lavra de Augusto Cezar dos Reis Raiol e poesia de Trajano Galvão de
Carvalho, ao exemplar militar.
São luís – MA, 31 de maio de 2018
Carlos
Augusto Furtado Moreira
Licenciado em História, Bacharel em Direito, Especialista
em Gestão Estratégica em Defesa Social e em Cidadania, Direitos Humanos e
Gestão da Segurança Pública.
Referências:
BARROSO, Gustavo. Guerra
do Rosas: 1851-1852. Fortaleza: SECULT, 2000
JANOTTI, Maria e Lourdes
Mônaco. A Balaiada. São Paulo:
Brasiliense, 1987. 74p.
LEAL, Antônio Henriques. Pantheon Maranhense – Ensaios Biographicos. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1874.
FAUSTO, Boris. A Regência (1831-1840). História do
Brasil 13ª ed. São Paulo: EDUSP, 2008.
LIMA, Euges. Desvendando São Luís, a planta da cidade de 1958. Disponível em: <http://ihgm1.blogspot.com/2017/12/desvendando-sao-luis-planta-da-cidade.html>.
Acesso em: 31 mai 2018.
VIEIRA FILHO, Domingos. A Polícia Militar do Maranhão: Síntese Histórica. Rio de Janeiro:
Olímpica, 1975. 106p.
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