Atualmente tais fenômenos ultrapassam as
barreiras das nossas simples tentativas de entendê-los, pois, simplesmente
atacar as consequências, não buscando entender as causas para que sejam
debruçados esforços que atentem para os mecanismos que tendam a diminui-los,
aproveitando da inteligência policial, auxílio na concepção de políticas
públicas e utilização adequada dos meios disponíveis, parece ser UM caminho
facilitador.
A guerra entre órgãos de segurança e as
pessoas contumazes em ações criminais e violentas sempre existirá, primeiro
porque trata-se de um fenômeno humano e social; como nós policiais, nos
acostumamos a colocar em prática, apenas estratégias, baseadas em nossos
aprendizados e conhecimentos, muita das vezes deixando de dialogar com todos os
atores que de alguma forma, possuem algum tipo de ajuda a oferecer ao Sistema
de Segurança Pública; diferentemente se assim agíssemos, as ações policiais
seriam mais direcionadas e possivelmente coroadas de maiores sucessos.
Durante a minha carreira policial militar,
privilegiei o trabalho em conjunto com diversos setores sociais e autoridades
diversas, vez que as Unidades Policiais Militares (UPMs) que comandei, pude
experimentar declínios vertiginosos de violência e criminalidade, conforme
reconhecimentos dos parlamentos municipais e estadual.
Entre 2003/2005 na área do 9° BPM, região
oeste e central de São Luís, conseguimos vários declínios e índices vitoriosos
que foram comemorados entre a PMMA e as Comunidades (exemplos mais
significativos foram as comemorações:
1) em novembro de 2005 na Praça Mário
Andreazza na Liberdade), o corte de um bolo confeitado desfrutado por
integrantes da PMMA e pessoas moradoras dos bairros, simbolizando a passagem de
mais de 120 dias, sem a ocorrência de nenhum homicídio em toda a adjacência,
após um trabalho de intensificação do policiamento comunitário na área.
2) outro fato inusitado foi comemorar
praticamente 01 ano (entre 2009/2010), sem a ocorrência de nenhum homicídio no
município de Pinheiro (10° BPM).
Sem sombra de dúvidas, estes resultados
satisfatórios, símbolos de sucessos alcançados, foram alcançados, com a
realização de um trabalho conjunto, com uma participação efetiva de parcelas
representativas das Comunidades, bem como o apoio de órgãos e instituições,
através de seus dirigentes.
Chamo isso a atenção, em face do que li neste
convite, abaixo registrado.
Conduta de Dom Quixote em contexto de violência em São
Luís será tema de live
Do século XVII para o
século XXI, aparentemente, muita coisa mudou, sobretudo no que se refere à
tecnologia. No entanto, em se tratando de outros aspectos, a situação seria
imutável, mas somente quando a referência é a questão arquetípica, isto é,
fenômenos sociais que sobrevivem ao tempo e são transmitidos de geração a
geração, apesar da variabilidade de culturas no planeta. Em termos míticos, Dom
Quixote de La Mancha, por exemplo, continua existindo no comportamento humano.
Sobre esse tema, irei fazer uma live no próximo sábado (15), às 19h, no meu
instagram, adaptando a conduta desse personagem ao contexto de violência urbana
em São Luís/MA.
Escolhi esse tema por
vários motivos, dentre os quais a pesquisa que faço acerca da guerra urbana no
Maranhão. O confronto entre facções criminosas é um dos itens desse meu estudo,
que inclui, ainda, a ausência de políticas públicas nos bairros nos quais há
presença de integrantes dessas organizações do crime organizado. Atualmente, o
cenário na capital maranhense é bastante complexo, tanto nas ruas como no
ambiente intramuros. No espaço público, por exemplo, um grupo denominado
“Família Ribamarense” (RBM) se formou a partir de uma cisão dentro do Primeiro
Comando da Capital (PCC), que perdeu força na Grande Ilha (São Luís, São José
de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa).
A obra de Miguel de
Cervantes pode ser adaptada para qualquer situação do cotidiano.
Eu não considero a
RBM uma facção, porque não se enquadra nos critérios que a Antropologia e o
Direito Penal selecionaram para essa categoria referente à violência. No
Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, a antiga gangue Anjos da
Morte (ADM) “ressuscitou” e está fazendo uma espécie de aliança com o Comando
Vermelho (CV), mas o relacionamento entre os dois grupos está por um fio. Todo
esse panorama mostra como os delírios e as alucinações, tão estudados na
Psiquiatria e Psicologia, não são eventos vinculados somente ao cérebro. Em
outras palavras, significam que são reflexos da forma como o ser humano se desloca
espacialmente, emocionalmente e socialmente.
Dom Quixote era
considerado uma pessoa normal, dentro dos padrões civilizatórios. Mas, como
resultado do seu vício em leituras de romances de cavalaria, perdeu a noção da
realidade e passou a se comportar como alguém dissociado da sua própria
vivência como fidalgo. O desejo dele se tornou sua fantasia, do ponto de vista
psicanalítico. Em São Luís, os faccionados imaginam lutar contra
"monstros", representados pelos seus rivais, e, nessa “loucura”, sentem
prazer ao capturarem o inimigo ou ao trocarem tiros com as forças policiais. A
ideia de “vida loka”, nesse sentido, é o caminho para a morte por negarem a
veracidade de uma alternativa que os levaria a uma vida digna.
A violência urbana em
São Luís é reflexo da insanidade em uma sociedade fragmentada,
Eu gosto de adaptar
obras literárias não apenas ao assunto da criminalidade, como, também, a
outros, como a vida saudável, estética, vaidade, alimentação, mercado, emprego,
moda, casamento, amizade, ontologia, dentre outros. Então, eu os convido a
assistirem à live, que será transmitida no meu instagram (@nelsonchagas.melocosta),
às 19h, no próximo sábado.
São Luís/MA, 11 de agosto de 2020.