* Carlos
Augusto Furtado Moreira
Ao retomarmos historicamente ao passado no Rio de Janeiro, estudos
relativamente recentes, mostram que entre os períodos de 1500 a 1856, cerca de
356 anos atrás, o Rio de Janeiro recebeu cerca de dois milhões de escravos
africanos. Estes dados estão hospedados em um trabalho no site www.slavevoyages.org da Universidade de Emory/Atlanta (EUA) que leva em conta os
registros portuários feitos em toda a América.
Evidentemente,
dados históricos não gloriosos, nos permitirá contextualizar, para fazermos
alusão a temática desta crônica, samba-enredo da Grêmio Recreativo Escola de
Samba Estação Primeira de Mangueira 2020, uma das escolas de samba do Rio de
Janeiro, especificamente retratado em sua comissão de frente, em cuja
visão carnavalesca, mostra os apóstolos de Jesus, na atualidade, sendo
abordados com brutalidade pela PM; em nossa ótica, uma forma simplista que direciona
a responsabilidade pelas mazelas sociais, à polícia.
No contexto da escravidão, a relação entre
senhores e escravos, permeadas de agressões e consequentemente de fugas, vão
delinear as relações cotidianas e que por sua vez, vão formar os quilombos, redutos
daqueles que buscavam escapar da escravidão.
O morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, foi
um desses inúmeros pontos escolhidos, que posteriormente passou a servir de
abrigo e moradia para escravos alforriados, onde desenvolviam suas
manifestações culturais e religiosas descendentes caracteristicamente das
nações africanas.
É nesse cenário que historicamente vai
nascer, segundo dados colhidos de sua história o Bloco
Estação Primeira de Mangueira, mais tarde, escola de samba Turma de
Mangueira, no dia 28 de abril de 1928, o qual, foi fundado por Cartola, Zé Espinguela, Saturnino Gonçalves, Euclides
Roberto dos Santos (Seu Euclides), Marcelino José Claudino (Maçu da Mangueira),
Pedro Caim (Paquetá) e Abelardo da Bolinha. Há registros de que Carlos
Cachaça apesar de não estar presente durante a reunião de fundação, foi
reconhecido como um dos fundadores.
A GRES Estação Primeira de
Mangueira, ao longo dos anos cresceu, possui em seu quadro de amantes,
personalidades cariocas e figuras de destaque social. Informações dão conta de
que na década de 1990, após parceria com a Xerox do Brasil e a Petrobras, a
escola montou uma vila olímpica e passou a disputar campeonatos esportivos no
atletismo e no basquete.
Traçados esses preâmbulos voltemos a polêmica causada pelo desfile
carnavalesco em 2020. Os articulistas, críticos de artes e outras
personalidades dão conta de que a Mangueira fez um desfile com claras críticas
ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, aos falsos profetas e ao
fundamentalismo religioso.
No samba-enredo dos compositores
marido e mulher Manu da Cuíca (Manuela Oiticica)
e Luiz Carlos Máximo, segundo reportagem, com a primeira, esta, conta a história de Jesus Cristo que volta à terra
irmanado com os mais pobres, os moradores das favelas, assim como Ele,
torturados e assassinados pelo Estado. A história de Cristo foi muitas
vezes sequestrada por projetos de poder, sequestrada pra poder justificar
coisas que certamente Jesus Cristo não concordaria, então é um enredo e um
samba enredo que joga luz um pouco nessa história e tenta fazer uma reflexão
com os dias de hoje. Cristo foi um sujeito que nasceu pobre e lutou por justiça
social, por diversidade, por inclusão, brigou contra o Estado Romano, foi
torturado e assassinado pelo Estado. E essa não é uma história tão diferente em
termos de violência como as que acontecem com parte da juventude dessa cidade
pobre que também sofre nas mãos do Estado.
Eu começaria fazer as minhas observações com
esta célebre citação de Honoré de Balzac: “Os
governos passam, as sociedades morrem, a polícia é
eterna...”.
Diante de uma sociedade vilipendiada
em seus direitos básicos em que clama por justiça, não pode ninguém imputar
a Polícia e somente a ela, a acusação de ser arbitrária, corrupta, abusiva
e violenta.
Ao contrário, é a última trincheira de apoio
que a sociedade brasileira dispõe para o atendimento de suas aflições: ora, é
no primeiro atendimento, socorro e condução aos nosocômios públicos e
particulares em suas viaturas quando a urgência não dá para esperar SAMU, CBM
ou outra ambulância; ora, é na presença constante e inevitável da ocorrência das
catástrofes naturais (e muita destas, às vezes, causadas pelas omissões dos
entes federativos); ora, é nas mediações, buscando o equilíbrio social; ora, são
nos locais onde as mazelas e falta de infraestrutura imperam pela falta
adequada de implementação de recursos públicos (em geral desviados pela
corrupção, compadrio e perpetuação do poder político); ora, são nos desvios de
condutas individuais por parte dos que agem à margem da lei que atua para
preservar a vida de terceiros.
Entre todas as Instituições estatais é a
única, a estar presente em todos os municípios e na maioria dos distritos
brasileiros e embora não recebam do mesmo poder público a que pertence, as
condições ideais para o desenvolvimento de suas atividades constitucionais, está
diuturnamente presente em todos os rincões desse país, levando seus serviços,
principalmente aos mais necessitados.
Destarte, a ocorrência de erros individuais,
por parte de alguns de seus integrantes, não pode comprometer a gama de boas
ações e atividades que presta regularmente, pois, proporcionalmente, em face do
grande número de componentes, tais ocorrências, são insignificantes, comparados
a outras instituições e organismos integrantes dos demais setores sociais,
ademais as Instituições policiais, centenárias que são, não podem ser maculadas
por posicionamentos daqueles que vão de encontro aos seus postulados.
A responsabilização pelas falhas
governamentais, iniciadas desde a formação organizacional dos Estados
brasileiros, não pode ser direcionada ou imputada há apenas uma instituição,
que faz parte desse mesmo ente federativo, os Estados brasileiros.
Tratando especificamente dessa infeliz
demonstração, certamente repudiada por todos os policiais militares desses país
em que a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, trouxe para o desfile
das escolas de samba do Rio de Janeiro em 2020, mostra cristalinamente que os tentáculos
criminosos desse "polvo" que aparelhou o Estado brasileiro, nessas
quase duas últimas décadas, ainda fervilha venenosamente e exige dos órgãos
competentes, uma averiguação rigorosa de onde provém os recursos que
patrocinaram o desfile momesco para um desserviço, pois, para uma agremiação que
tem compromisso com a comunidade onde está inserida, referidos recursos, poderiam
muito bem, serem destinados a melhoria das condições infra estruturais, de
saúde e educação.
O que é interessante é que nem as
dificuldades enfrentadas pelas corporações, comprometem definitivamente as
atividades policiais. O desenvolvimento de suas missões, não obstante a uma
gama de problemas enfrentados, não a fazem perder sua identidade como
instituições que possuem laços indissolúveis com a sociedade, onde a grande
maioria desfruta do epíteto: patrimônio do povo.
1) Inferioridade de armamento em comparação
com determinadas facções e grupos;
2) Imposição às polícias, obrigatoriamente à
legalidade, enquanto grupos, facções e individualistas que agem à margem da lei,
não respeitam, nenhuma autoridade constituída;
3) Imposição às corporações policiais de
novos mecanismos legislativos que dificultam o exercício de suas funções.
4) Remuneração indigna com a importância da
atividade policial;
5) Desrespeito em relação as Instituições
Policiais por "partes" dos poderes constituídos;
6) Falta de instrumentalidade adequada as
corporações policiais para o exercício das atividades laborais;
7) Legislação interna carente de
reformulações e adequações (obrigações em descompasso com referência aos
direitos dos policiais);
Se realmente fôssemos nos debruçar sobre a
análise dos problemas, estou convicto de que viria à lume, problemas que há
décadas ou quiçá desde às suas criações - as Polícias Brasileiras - convivem.
Ouso socorrer-me de um posicionamento do Cel Luiz Eduardo Pesce de Arruda
da PMESP em um comentário em um grupo de WatsApp: Ao que me consta, os amigos de Jesus
não portavam armas pesadas, não se envolviam com narcotráfico nem roubavam ou
matavam. Essa generalização produzida pelo delírio de criadores comprometidos
com a exaltação ao crime, expondo ao mundo uma situação complexa de forma
simplista é um tapa na cara das famílias dos mais de cem PMs cariocas
assassinados no cumprimento do dever a cada ano. Tirem a PM brutal e
autoritária por dois dias da
Mangueira, para ver o inferno que os
" amigos de Jesus" implantarão por lá.
São Luís – MA,
24 de fevereiro de 2020.
* Bacharel em Formação
de Oficiais. Licenciado em História. Bacharel em Direito. Pós-graduado em
Aperfeiçoamento de Oficiais e Superior de Polícia. Especialista em Gestão
Estratégica em Defesa Social. Especialista em Cidadania, Direitos Humanos e
Gestão da Segurança Pública. Coronel PMMA RR. Presidente da Academia Maranhense de
Ciências, Letras e Artes Militares -AMCLAM.
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