quinta-feira, 2 de julho de 2020

SAMBA DE ENREDO: A VERDADE VOS FARÁ LIVRE



* Carlos Augusto Furtado Moreira

Ao retomarmos historicamente ao passado no Rio de Janeiro, estudos relativamente recentes, mostram que entre os períodos de 1500 a 1856, cerca de 356 anos atrás, o Rio de Janeiro recebeu cerca de dois milhões de escravos africanos. Estes dados estão hospedados em um trabalho no site www.slavevoyages.org da Universidade de Emory/Atlanta (EUA) que leva em conta os registros portuários feitos em toda a América.
Evidentemente, dados históricos não gloriosos, nos permitirá contextualizar, para fazermos alusão a temática desta crônica, samba-enredo da Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira 2020, uma das escolas de samba do Rio de Janeiro, especificamente retratado em sua comissão de frente, em cuja visão carnavalesca, mostra os apóstolos de Jesus, na atualidade, sendo abordados com brutalidade pela PM; em nossa ótica, uma forma simplista que direciona a responsabilidade pelas mazelas sociais, à polícia.
No contexto da escravidão, a relação entre senhores e escravos, permeadas de agressões e consequentemente de fugas, vão delinear as relações cotidianas e que por sua vez, vão formar os quilombos, redutos daqueles que buscavam escapar da escravidão.
O morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, foi um desses inúmeros pontos escolhidos, que posteriormente passou a servir de abrigo e moradia para escravos alforriados, onde desenvolviam suas manifestações culturais e religiosas descendentes caracteristicamente das nações africanas.
É nesse cenário que historicamente vai nascer, segundo dados colhidos de sua história o Bloco Estação Primeira de Mangueira, mais tarde, escola de samba Turma de Mangueira, no dia 28 de abril de 1928, o qual, foi fundado por Cartola, Zé Espinguela, Saturnino Gonçalves, Euclides Roberto dos Santos (Seu Euclides), Marcelino José Claudino (Maçu da Mangueira), Pedro Caim (Paquetá) e Abelardo da Bolinha. Há registros de que Carlos Cachaça apesar de não estar presente durante a reunião de fundação, foi reconhecido como um dos fundadores.
A GRES Estação Primeira de Mangueira, ao longo dos anos cresceu, possui em seu quadro de amantes, personalidades cariocas e figuras de destaque social. Informações dão conta de que na década de 1990, após parceria com a Xerox do Brasil e a Petrobras, a escola montou uma vila olímpica e passou a disputar campeonatos esportivos no atletismo e no basquete.
Traçados esses preâmbulos voltemos a polêmica causada pelo desfile carnavalesco em 2020. Os articulistas, críticos de artes e outras personalidades dão conta de que a Mangueira fez um desfile com claras críticas ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, aos falsos profetas e ao fundamentalismo religioso.
No samba-enredo dos compositores marido e mulher Manu da Cuíca (Manuela Oiticica) e Luiz Carlos Máximo, segundo reportagem, com a primeira, esta, conta a história de Jesus Cristo que volta à terra irmanado com os mais pobres, os moradores das favelas, assim como Ele, torturados e assassinados pelo Estado.  A história de Cristo foi muitas vezes sequestrada por projetos de poder, sequestrada pra poder justificar coisas que certamente Jesus Cristo não concordaria, então é um enredo e um samba enredo que joga luz um pouco nessa história e tenta fazer uma reflexão com os dias de hoje. Cristo foi um sujeito que nasceu pobre e lutou por justiça social, por diversidade, por inclusão, brigou contra o Estado Romano, foi torturado e assassinado pelo Estado. E essa não é uma história tão diferente em termos de violência como as que acontecem com parte da juventude dessa cidade pobre que também sofre nas mãos do Estado.
Eu começaria fazer as minhas observações com esta célebre citação de Honoré de Balzac: “Os governos passam, as sociedades morrem, a polícia é eterna...”.
Diante de uma sociedade vilipendiada em seus direitos básicos em que clama por justiça, não pode ninguém imputar a Polícia e somente a ela, a acusação de ser arbitrária, corrupta, abusiva e violenta.
Ao contrário, é a última trincheira de apoio que a sociedade brasileira dispõe para o atendimento de suas aflições: ora, é no primeiro atendimento, socorro e condução aos nosocômios públicos e particulares em suas viaturas quando a urgência não dá para esperar SAMU, CBM ou outra ambulância; ora, é na presença constante e inevitável da ocorrência das catástrofes naturais (e muita destas, às vezes, causadas pelas omissões dos entes federativos); ora, é nas mediações, buscando o equilíbrio social; ora, são nos locais onde as mazelas e falta de infraestrutura imperam pela falta adequada de implementação de recursos públicos (em geral desviados pela corrupção, compadrio e perpetuação do poder político); ora, são nos desvios de condutas individuais por parte dos que agem à margem da lei que atua para preservar a vida de terceiros.
Entre todas as Instituições estatais é a única, a estar presente em todos os municípios e na maioria dos distritos brasileiros e embora não recebam do mesmo poder público a que pertence, as condições ideais para o desenvolvimento de suas atividades constitucionais, está diuturnamente presente em todos os rincões desse país, levando seus serviços, principalmente aos mais necessitados.
Destarte, a ocorrência de erros individuais, por parte de alguns de seus integrantes, não pode comprometer a gama de boas ações e atividades que presta regularmente, pois, proporcionalmente, em face do grande número de componentes, tais ocorrências, são insignificantes, comparados a outras instituições e organismos integrantes dos demais setores sociais, ademais as Instituições policiais, centenárias que são, não podem ser maculadas por posicionamentos daqueles que vão de encontro aos seus postulados.
A responsabilização pelas falhas governamentais, iniciadas desde a formação organizacional dos Estados brasileiros, não pode ser direcionada ou imputada há apenas uma instituição, que faz parte desse mesmo ente federativo, os Estados brasileiros.
Tratando especificamente dessa infeliz demonstração, certamente repudiada por todos os policiais militares desses país em que a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, trouxe para o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro em 2020, mostra cristalinamente que os tentáculos criminosos desse "polvo" que aparelhou o Estado brasileiro, nessas quase duas últimas décadas, ainda fervilha venenosamente e exige dos órgãos competentes, uma averiguação rigorosa de onde provém os recursos que patrocinaram o desfile momesco para um desserviço, pois, para uma agremiação que tem compromisso com a comunidade onde está inserida, referidos recursos, poderiam muito bem, serem destinados a melhoria das condições infra estruturais, de saúde e educação.
O que é interessante é que nem as dificuldades enfrentadas pelas corporações, comprometem definitivamente as atividades policiais. O desenvolvimento de suas missões, não obstante a uma gama de problemas enfrentados, não a fazem perder sua identidade como instituições que possuem laços indissolúveis com a sociedade, onde a grande maioria desfruta do epíteto: patrimônio do povo.
1) Inferioridade de armamento em comparação com determinadas facções e grupos;
2) Imposição às polícias, obrigatoriamente à legalidade, enquanto grupos, facções e individualistas que agem à margem da lei, não respeitam, nenhuma autoridade constituída;
3) Imposição às corporações policiais de novos mecanismos legislativos que dificultam o exercício de suas funções.
4) Remuneração indigna com a importância da atividade policial;
5) Desrespeito em relação as Instituições Policiais por "partes" dos poderes constituídos;
6) Falta de instrumentalidade adequada as corporações policiais para o exercício das atividades laborais;
7) Legislação interna carente de reformulações e adequações (obrigações em descompasso com referência aos direitos dos policiais);
Se realmente fôssemos nos debruçar sobre a análise dos problemas, estou convicto de que viria à lume, problemas que há décadas ou quiçá desde às suas criações - as Polícias Brasileiras - convivem.
Ouso socorrer-me de um posicionamento do Cel Luiz Eduardo Pesce de Arruda da PMESP em um comentário em um grupo de WatsApp: Ao que me consta, os amigos de Jesus não portavam armas pesadas, não se envolviam com narcotráfico nem roubavam ou matavam. Essa generalização produzida pelo delírio de criadores comprometidos com a exaltação ao crime, expondo ao mundo uma situação complexa de forma simplista é um tapa na cara das famílias dos mais de cem PMs cariocas assassinados no cumprimento do dever a cada ano. Tirem a PM brutal e autoritária por dois dias  da Mangueira,  para ver o inferno que os " amigos de Jesus" implantarão por lá.

São Luís – MA, 24 de fevereiro de 2020.

* Bacharel em Formação de Oficiais. Licenciado em História. Bacharel em Direito. Pós-graduado em Aperfeiçoamento de Oficiais e Superior de Polícia. Especialista em Gestão Estratégica em Defesa Social. Especialista em Cidadania, Direitos Humanos e Gestão da Segurança Pública. Coronel PMMA RR. Presidente da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares -AMCLAM.    

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